RETRATOS DA MEMÓRIAS

O olhar é de quem cava, na nascente que expele da terra a água das bicas de madeira, as próprias raízes mais profundas. Como se estivesse presa num tempo que não se atualiza, a popularmente conhecida Goiás Velho preserva as mais belas riquezas da região, quando ela começou a florescer as primeiras sementes de civilização no cerrado ainda virgem.

Para misturar o presente ao passado, que data mais de 250 anos, o Instituto Rizzo lança Cidade de Goiás — Patrimônio da Humanidade — Origens . A obra trilha o caminho de volta aos primórdios da construção da cidade histórica, localizada a 320 quilômetros de Brasília.

O objetivo é registrar os motivos que levaram a Cidade de Goiás, que conserva a arquitetura original do século 18, a receber o título de Patrimônio da Humanidade, pela Unesco, em dezembro de 2001. Para a missão, o Instituto Rizzo, entidade sem fins lucrativos voltada para a promoção e preservação da cultura e do meio ambiente no estado de Goiás, reuniu artistas que acumulam experiência na observação do modo de vida peculiar da primeira capital goiana.

Nascido em Morrinhos, no interior do estado, o fotógrafo Rui Faquini, 60 anos, capta as paisagens da antiga Vila Boa de Goiás, atual Cidade de Goiás, há quase dez anos. Já o historiador Paulo Bertran, 55, autor do texto do livro, junta, há mais de 30 anos, peças da história do estado. A costura, que organiza blocos separados para valorizar texto e imagem, coube à artista plástica Sônia Paiva, 43. Responsável pelo projeto gráfico, ela agregou a sensibilidade pessoal de quem tem boa parte do seu trabalho embasado na vivência da herança familiar vilaboense.

“ Resolvi assumir a condição de barroco pobre no que diz respeito a enfeites e trejeitos. O barroco goiano não tem nenhum rococó. É muito limpo, quase simples ”, explica Rui Faquini, sobre o que o inspirou nos momentos de usar a máquina em 2001, quando surgiu a proposta do livro.

Apenas 30% das imagens foram retiradas dos arquivos de Faquini. O restante é composto por material produzido no mesmo ano em que a cidade conquistou o título de patrimônio. “ Isso advém do fato de materiais e artesãos da corte chegarem, no máximo, até Minas Gerais. A gente ficou entregue ao léu, à própria sorte ”. O processo de composição do livro acabou misturando trabalho e emoção. “ É como se eu tivesse viajado dentro do meu espírito goiano ”, filosofa Faquini.

Autor da porção referente à reconstituição histórica de Goiás, Paulo Bertran credita ao envolvimento sentimental a opção por uma linguagem diferente dos relatos mais “burocráticos”, característicos desse tipo de texto. Foi durante a concepção do livro que ele conheceu a atual mulher, Maria das Graças Fleury. “ A construção do texto acabou adquirindo dimensão poética, por causa dessa intensidade emocional forte, mas sempre pautada pela pesquisa histórica rigorosa ”, afirma Bertran.

Nascido em Anápolis, Bertran é velho conhecedor da terra em que o exotismo dos sabores do cerrado, do pequi e da guariroba, faz parte da culinária diária. É do historiador a autoria de Notícia geral da capitania de Goiás. Para esse livro, Bertran revirou arquivos pessoais, que acumulam mais de 30 anos de pesquisa na memória do estado, sob a chancela do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Há relatos inéditos que datam de 250 anos atrás, retirados dos registros portugueses.

Segundo Bertran, o livro tem a intenção de embarcar o leitor numa viagem rumo ao passado. Certamente funciona como tíquete de passagem. Mas se o leitor quiser ir além das páginas, terá de pegar a estrada. Só assim sentirá na pele um pedaço da história do país incrustada numa cidade esquecida do relógio do tempo.

Daniela Paiva
Do Correio Braziliense